Perfil das pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 na América do Sul / Profile of clinical research relating to COVID-19 in South America

Autores

  • Marina Ciconeli Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Pesquisa Clí­nica e Medical Affairs. São Paulo - SP - Brasil
  • Luis Lopez Martinez Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Pesquisa Clí­nica e Medical Affairs. São Paulo - SP - Brasil

DOI:

https://doi.org/10.26432/1809-3019.2021.66.004

Resumo

Introdução: a famí­lia do ví­rus Coronaví­rus é responsável por infecções respiratórias e em 2019 um novo agente foi descoberto na China denominado COVID-19. A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou em janeiro de 2020 que o surto da doença causada pelo novo coronaví­rus constituiu uma emergência de saúde pública de importância internacional, o que corresponde ao mais alto ní­vel de alerta, conforme previsto no regulamento sanitário internacional. Em março de 2020, a COVID-19 foi caracterizada pela OMS como uma pandemia. Embora os dados de incidência e prevalência sejam dinâmicos, uma vez que a doença ainda está se alastrando pelo mundo, em maio de 2020 o Brasil ocupava a posição de 5º paí­s com maior número de mortes pela doença e o 2º lugar em número de infectados. Em 22 de maio de 2020 a OMS declarou que a América do Sul se tornara o novo epicentro da COVID-19, sendo o Brasil o paí­s mais afetado. Com o surgimento da pandemia e a urgência em solucionar, controlar e compreender a doença, inúmeras pesquisas clí­nicas intervencionistas ou epidemiológicas foram iniciadas com esse propósito. Objetivo: este artigo buscou identificar o perfil das pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 na América do Sul durante o perí­odo de janeiro de 2020 até julho de 2020 e discutir seus desafios. Material e Método: foi realizada busca ativa de pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 registradas na plataforma Clinical Trials. gov, por ser esta uma base de dados pública internacional mantida pela National Library of Medicine (NLM) no National Institutes of Health (NIH) na qual são registradas pesquisas clí­nicas de iniciativa pública ou privada e desenvolvidas em seres humanos. Resultados: dos mais de 2.500 estudos relacionados à COVID 19 realizados em todo mundo e registrados no Clinical Trials. gov, ao menos 1.400 são intervencionistas. No entanto, quando realizamos a mesma busca restringindo a localização na América do Sul, esses números caem, sendo encontrados 94 estudos relacionados à COVID-19 para todo continente sul-americano. De fato, ao compararmos as pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 realizadas em outros continentes e registradas no Clinical Trials. Gov durante o mesmo perí­odo, podemos observar que a América do Sul estava desenvolvendo um número relativamente baixo de pesquisas ou que os estudos conduzidos nesse continente não estavam sendo devidamente registrados em importante plataforma pública internacional. Entre as pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID 19 realizadas na América do Sul e registradas no Clinical Trials. Gov, 67% são pesquisas intervencionistas e 33% são pesquisas observacionais, o que pode refletir a falta de incentivos para pesquisas epidemiológicas que permitam a importante caracterização de doenças e populações na América do Sul. Nossos dados demostram que ao estratificarmos as pesquisas clí­nicas intervencionistas farmacológicas (Fase I, II, III e IV) a grande maioria dos estudos intervencionistas são de Fase III e Fase II, sendo apenas uma pequena parte constituí­da por estudos Fase I e Fase IV. Entre os estudos intervencionistas com intervenção farmacológica ou terapêutica, foram encontrados três grupos de tratamento: Hidroxicloroquina ou Cloroquina (n=15), Plasma ou Plasma Convalescente (n=9), Ivermectina (n=2), Dexametasona (n=2) e Vacinas (n=2). Importante observar que dentre os estudos com Hidroxicloroquina ou Cloroquina em 7 pesquisas existia associação com Azitromicina e em 4 pesquisas existia um braço com placebo. Isso se deve ao fato da urgência na busca de um tratamento eficaz para controlar os sintomas e complicações da doença, o que resultou em pesquisas clí­nicas Fase III na tentativa de encontrar novas indicações para medicamentos já conhecidos cujos grupos farmacológicos poderiam apresentar resultados favoráveis, principalmente através de ações anti-inflamatórias ou antivirais. Dentre as pesquisas intervencionistas, 21,4% envolveram intervenção não-farmacológica, como por exemplo, terapia de fotobiomodulação, intervenção com atividades fí­sicas ou investigação sobre a transmissão e propagação do ví­rus, sugerindo que esse fato pode estar relacionado com as caracterí­sticas das sí­ndromes respiratórias agudas, onde a intervenção não farmacológica, como por exemplo através de atividades fí­sicas ou fisioterapêuticas, pode ter resultados favoráveis no tratamento ou redução do agravo da doença. Ao estratificarmos as pesquisas clí­nicas internacionais na América do Sul, encontramos predominância de pesquisas envolvendo vacinas e estudos intervencionistas Fase III, o que indica tratar-se de um novo tratamento. Entre os estudos nacionais, ou seja, conduzidos em um único paí­s da América do Sul, encontramos estudos intervencionistas, porém sem uma predominância de Fase de desenvolvimento, e estudos observacionais. Foram encontrados 53% de estudos conduzidos em um único centro de pesquisas (unicêntricos), o que pode indicar estudos de iniciativa do investigador ou pesquisas acadêmicas, e 47% de estudos multicêntricos ocorrendo simultaneamente em vários centros de pesquisa ao redor do mundo ou em território de seu próprio paí­s. O fato da maioria das pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 realizadas na América do Sul estarem sendo conduzidas localmente em um único centro de pesquisas e serem estudos nacionais, ou seja, conduzidos em um único paí­s, reforça a pouca atratividade dos paí­ses sul-americanos para receber investimentos na condução rápida de estudos multicêntricos internacionais. Por outro lado, parte do financiamento da pesquisa em paí­ses como o Brasil ocorre localmente através de agências públicas de fomento. Além disso, universidades sul-americanas como a Universidade de São Paulo - USP, Universidade de Campinas - UNICAMP, Universidade Federal de São Paulo - UNIFESP e Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (Brasil); Universidad de Chile e Pontificia Universidad Católica (Chile); Universidad de Córdoba e Universidad Austral (Argentina); e Universidad de los Andes (Colômbia) estão entre as melhores instituições da América Latina segundo avaliação de um dos principais rankings universitários do mundo, o Times Higher Education. Essa publicação britânica considera em sua avaliação critérios como ensino, pesquisa, citações, visão internacional e transferência de conhecimento. Esse fato pode ajudar a explicar a maior quantidade de pesquisas nacionais ou locais em comparação a participação da América do Sul em estudos multicêntricos internacionais. Em relação as pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 realizadas na América do Sul e registradas no Clinical Trials gov envolvendo o Brasil encontramos dados semelhantes em relação aos demais paí­ses sul-americanos. Todos os estudos internacionais que tiveram participação de centros de pesquisa brasileiros foram intervencionistas. A baixa condução de pesquisas clí­nicas em paí­ses fortemente afetados pela COVID-19, como Peru, Equador e Guiana Francesa, com até 5 estudos cada, Bolí­via, Uruguai e Venezuela, desenvolvendo apenas 1 estudo cada, ou Guiana, Paraguai e Suriname, onde nenhuma pesquisa estava em andamento envolvendo a população local, sugere baixo incentivo, dificuldades regulatórias, pouco interesse da indústria farmacêutica multinacional neste mercado consumidor ou falta de infraestrutura local para a condução de pesquisas clí­nicas em grande parte dos paí­ses da América do Sul. Ao compararmos as pesquisas clí­nicas relacionadas à COVID-19 realizadas em outros continentes e registradas no Clinical Trials. Gov durante o mesmo perí­odo podemos observar que a América do Sul estava desenvolvendo um número relativamente baixo de estudos e que tais pesquisas eram em sua maioria intervencionistas de Fase III de desenvolvimento farmacológico, sendo Hidroxicloroquina o fármaco mais investigado e por vezes associado à Azitromicina. Conclusão: os resultados encontrados demostraram, como descrito na literatura, que existe uma tendência mundial em que apenas quando se adquire excelência em estudos de Fase III é que um paí­s começa a ser considerado para estudos mais complexos como Fase I e Fase II. Esse cenário foi observado mesmo em uma situação onde a América do Sul foi considerada como epicentro da doença alvo de tais pesquisas clí­nicas e que, portanto, existiria a rápida disponibilidade de participantes voluntários de pesquisa e resultados benéficos para a população local. Este fato pode significar que as pesquisas sul-americanas não estão sendo registradas adequadamente em base de dados pública internacional ou evidenciar o baixo incentivo à pesquisa clí­nica na região.

Palavras-chave: Coronaví­rus da sí­ndrome respiratória aguda grave 2, SARS-CoV-2, Coronaví­rus, COVID-19, Hidroxicloroquina, Azitromicina, Pesquisa clí­nica, América do Sul

 

ABSTRACT

Introduction: The Coronavirus virus family is responsible for respiratory infections and in 2019 a new agent was discovered in China named COVID-19. The World Health Organization (WHO) declared in January 2020 that the outbreak of the disease caused by the new coronavirus constituted a public health emergency of international importance, which corresponds to the highest level of alert, as provided for in the international health regulation. In March 2020, COVID-19 was characterized by WHO as a pandemic. Although the incidence and prevalence data are dynamic, since the disease is still spreading around the world, in May 2020, Brazil ranked 5th in terms of the number of deaths from the disease and the 2nd in number of infected. On May 22, 2020, WHO declared that South America had become the new epicenter of COVID-19, with Brazil being the country most affected. With the emergence of the pandemic and the urgency to solve, control and understand the disease, numerous interventional or epidemiological clinical researches have been initiated for this purpose. Objective: This article sought to identify the profile of clinical research related to COVID-19 in South America during the period from January 2020 to July 2020 and to discuss its challenges. Material and Method: an active search for clinical research related to COVID-19 registered on the Clinical Trials.gov platform was performed, as this is an international public database maintained by the National Library of Medicine (NLM) at the National Institutes of Health (NIH) in which clinical research of public or private initiative and developed in human beings is registered. Results: of more than 2,500 studies related to COVID 19 conducted worldwide and registered in Clinical Trials. gov, at least 1,400 are interventionists. However, when we perform the same search restricting the location in South America, these numbers drop, and 94 studies related to COVID-19 are found for the entire South American continent. In fact, when comparing the clinical research related to COVID-19 being done on other continents and registered in the Clinical Trials.gov during the same period, we can notice that South America was developing a relatively low number of studies or the amount of studies conducted on that continent were not being properly registered on an important international public platform. Among the clinical research related to COVID 19 conducted in South America and registered in Clinical Trials. Gov, 67% are interventional research and 33% are observational research, which may reflect the lack of incentives for epidemiological research that allow the important characterization of diseases and populations in South America. Our data show that by stratifying clinical pharmacological intervention research (Phase I, II, III and IV) the vast majority of interventional studies are Phase III and Phase II, with only a small part consisting of Phase I and Phase IV studies. Among the interventional studies with pharmacological or therapeutic intervention, three treatment groups were found: Hydroxychloroquine or Chloroquine (n = 15), Plasma or Convalescent Plasma (n = 9), Ivermectin (n = 2), Dexamethasone (n = 2) and Vaccines (n = 2). It is important to note that among the studies with Hydroxychloroquine or Chloroquine in 7 studies there was an association with Azithromycin and in 4 studies there was an arm with placebo. This is due to the urgency in the search for an effective treatment to control the symptoms and complications of the disease, which resulted in Phase III clinical research in an attempt to find new indications for known drugs whose pharmacological groups could present favorable results, mainly through anti-inflammatory or antiviral actions. Among the interventional research, 21.4% involved nonpharmacological intervention, such as photobiomodulation therapy, intervention with physical activities or research on the transmission and spread of the virus, suggesting that this fact may be related to the characteristics of respiratory syndromes. acute, where non-pharmacological intervention, such as through physical or physiotherapeutic activities, can have favorable results in the treatment or reduction of the disease. When stratifying international clinical research in South America, we found a predominance of research involving vaccines and Phase III interventional studies, which indicates that it is a new treatment. Among the national studies, that is, conducted in a single country in South America, we find interventionist studies, however without a predominance of the Development Phase, and observational studies. There were 53% of studies conducted in a single research center (single-center), which may indicate investigator-initiated studies or academic research, and 47% of multicenter studies occurring simultaneously in various research centers around the world or in territory of your own country. The fact that most clinical research related to COVID-19 conducted in South America is being conducted locally in a single research center and is national studies, that is, conducted in a single country, reinforces the low attractiveness of South American countries to receive investments in the rapid conduct of international multicenter trials. On the other hand, part of the funding for research in countries like Brazil occurs locally through public funding agencies. In addition, South American universities such as the University of São Paulo - USP, University of Campinas - UNICAMP, Federal University of São Paulo - UNIFESP and Federal University of Rio de Janeiro - UFRJ (Brazil); Universidad de Chile and Pontificia Universidad Católica (Chile); Universidad de Córdoba and Universidad Austral (Argentina); and Universidad de los Andes (Colombia) are among the best institutions in Latin America according to an evaluation of one of the main university rankings in the world, the Times Higher Education. This British publication considers criteria such as teaching, research, citations, international vision and knowledge transfer in its evaluation. This fact may help to explain the greater amount of national or local research compared to South America's participation in international multicenter studies. Regarding the clinical research related to COVID-19 conducted in South America and registered in the ClinicalTrials.gov involving Brazil, we found similar data in relation to the other South American countries. All international studies with the participation of Brazilian research centers were interventionist. The low conduct of clinical research in countries strongly affected by COVID-19, such as Peru, Ecuador and French Guiana, with up to 5 studies each, Bolivia, Uruguay and Venezuela, developing only 1 study each, or Guyana, Paraguay and Suriname, where none research was underway involving the local population, suggests low incentives, regulatory difficulties, little interest from the multinational pharmaceutical industry in this consumer market or lack of local infrastructure for conducting clinical research in most countries in South America. COVID-19-related clinics conducted on other continents and registered in ClinicalTrials.gov during the same period, we can observe that South America was developing a relatively low number of studies and that these studies were mostly Phase III pharmacological development interventions, with Hydroxychloroquine being the most investigated drug and sometimes associated with Azithromycin. Conclusion: the results found showed, as described in the literature, that there is a worldwide trend in which only when it acquires excellence in Phase III studies does a country begin to be considered for more complex studies such as Phase I and Phase II. This scenario was observed even in a situation where South America was considered to be the epicenter of the disease targeted by such clinical research and, therefore, there would be a rapid availability of voluntary research participants and beneficial results for the local population. This fact may mean that South American research is not being properly registered in an international public database or evidence of the low incentive for clinical research in the region.

Keywords: Acute respiratory syndrome coronavirus 2, SARS-CoV-2, Coronavirus, COVID-19, Hydroxychloroquine, Azithromycin, Clinical research, South America

Downloads

Não há dados estatísticos.

Publicado

2021-04-23

Edição

Seção

ARTIGO DE REVISÃO